O Equilíbrio Psíquico na Abordagem Tomista

Ansiedade Clínica: Quando a Cogitativa Reage sem o Julgamento da Razão

ANSIEDADETOMISMO

Emanuel Martelli

4/3/20253 min read

A filosofia tomista oferece uma compreensão profunda sobre o equilíbrio psíquico, baseando-se na hierarquia das potências da alma. Segundo essa abordagem, o equilíbrio mental ocorre quando a potência intelectiva governa adequadamente a potência volitiva, e ambas exercem controle sobre as potências apetitivo-sensitivas, os sentidos externos e internos. Esse ordenamento resulta em um comportamento pessoal e social bem ajustado aos estímulos, sejam eles internos ou externos, conflituosos ou não (Brennan, 1960, 1969; Cavalcanti Neto, 2015, 2017).

Os três atos principais da faculdade intelectiva — a simples apreensão (da "quididade", ou seja, o que a coisa é), o juízo e a inferência (ou raciocínio) — devem funcionar em plena coerência com a realidade objetiva e com as regras inatas da lógica. O papel central dos juízos no equilíbrio mental é fundamental: são eles que possibilitam incluir ou excluir um sujeito conhecido no predicado que lhe é atribuído, estabelecendo, assim, a ponte entre a apreensão da quididade dos seres e o raciocínio baseado nesses juízos. Por isso, o juízo correto é a base da sanidade mental.

A Relação entre Equilíbrio Mental e Processos Cognitivos

Em termos contemporâneos, equilíbrio mental significa a capacidade de compreender, interpretar e responder racionalmente aos estímulos internos e externos, exercendo plenamente o livre-arbítrio. Isso envolve a adaptação das emoções (atos das potências apetitivas sensitivas), lembranças, imaginações e instintos (atos das potências sensitivas internas) à cognição objetiva da realidade.

É interessante notar que a abordagem cognitivo-comportamental contemporânea apresenta diversas analogias com essa concepção tomista de equilíbrio mental, ainda que sem a mesma fundamentação metafísica.

Por outro lado, o desequilíbrio psíquico caracteriza-se pela perda do governo da inteligência e da vontade sobre as demais potências. A sintomatologia varia conforme a potência ou faculdade mental predominante nesse desequilíbrio. Quando há uma influência exacerbada da memória e da imaginação sobre o intelecto e a vontade, o indivíduo pode acreditar que os objetos que imagina ou recorda são reais, originando diferentes tipos de alucinações (visuais, auditivas ou táteis), conforme a participação dos sentidos externos.

O Papel dos Juízos e das Emoções no Equilíbrio Psíquico

O hábito de formar juízos incoerentes com a realidade — e aceitá-los como verdadeiros sem fundamento — pode resultar em ideias delirantes. Essa condição frequentemente decorre da interferência do apetite sensitivo, das emoções e das faculdades sensitivas internas, como imaginação, memória e cogitativa.

Nos transtornos neuróticos, por exemplo, o desequilíbrio de uma dessas potências leva a sintomas específicos:

  • Depressivos e ansiosos: predomínio do apetite sensitivo e das paixões ligadas ao medo.

  • Obssessivo-compulsivos: predomínio da imaginação e da memória, que invadem a atividade judicativa.

No transtorno de ansiedade generalizada (TAG), pode-se interpretá-lo, segundo a perspectiva aristotélico-tomista, como o predomínio da imaginação e da memória sobre a razão, intensificando o uso da atenção em detrimento da atividade judicativa e racional do intelecto, bem como do livre-arbítrio.

A cogitativa, ao identificar situações lembradas ou imaginadas como ameaçadoras, desencadeia reações emocionais intensas — como medo, tristeza e aversão — gerando um ciclo vicioso. Isso pode levar ao predomínio do instinto de conservação e das emoções sobre a inteligência e a vontade, perpetuando um estado de ansiedade constante.

O Diagnóstico e o Processo Terapêutico

A concepção aristotélico-tomista do diagnóstico psiquiátrico não se limita à descrição fenomenológica de sintomas, mas busca compreender quais potências estão em desequilíbrio e como isso afeta a inteligência e a vontade. Essa perspectiva oferece uma visão mais sindrômica e espectral da doença mental, em oposição à classificação fragmentada dos manuais diagnósticos contemporâneos. De fato, as versões mais recentes do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) e da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) começam a incorporar essa visão espectral da saúde mental.

O tratamento, sob a ótica tomista, visa restaurar o governo adequado da inteligência e da vontade sobre as demais potências, corrigindo os desequilíbrios que geram o sofrimento psíquico. Para isso, é necessário abordar tanto os aspectos materiais, comportamentais e sociais do paciente quanto a reeducação da atividade intelectiva e volitiva. O desenvolvimento de técnicas terapêuticas específicas ainda está em progresso, exigindo estudos aprofundados para sua aplicação eficaz.

Referências
  • BRENNAN, R. E. Thomistic Psychology: A Philosophic Analysis of the Nature of Man. Macmillan, 1960.

  • BRENNAN, R. E. History of Psychology: From Antiquity to Contemporary Thought. Macmillan, 1969.

  • CAVALCANTI NETO, J. Psicologia Tomista e Saúde Mental. Editora Universitária, 2015.

  • CAVALCANTI NETO, J. Psicopatologia e Filosofia Aristotélico-Tomista. Editora Universitária, 2017.

  • American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5). 2013.

  • World Health Organization. International Classification of Diseases (ICD-11). 2022.